quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Encontro

Permitiu que seus olhos repousassem sobre o prato remexido por alguns instantes. Uma fração incerta de toda a eternidade. A boca entreaberta cerrava todas as palavras que queria dizer. No meio de todo o burburinho do restaurante, olhou de novo pra ela que aguardava aflita qualquer reação. Sorriu entre os lábios enquanto dava uma última garfada na comida. Última porque seu estômago não aguentava mais aquele odor de pessoas alegres e despreocupadas. Olhou outra vez no relógio enquanto ela lhe falava de coisas supérfulas e dislexas. Interessante seria se ao se despedir ela lhe tivesse convidado pra um café, ou ainda se tivesse tropeçado nos degraus da porta, de maneira que lhe causasse algum prazer. Nenhum. A cidade jazia numa calma morna de luzes acesas por pura conveniência. Mais um sinal fechado. Um cachorro que fuçava o lixo lhe fez pensar que talvez sejamos todos cachorros buscando arduamente algo de produtivo ou aproveitável no outro. Talvez seja um pensamento vítima de toda cultura burguesa que lhe fora imposta por séculos. Mas não por isso menos verdadeiro. Evidente é o fato de que uma pessoa se torna interessante a partir do momento que descobrimos nela algo que nos seja produtivo, um assunto, uma posição, um conflito, ou aproveitável, uma diferença, algo criticável, ou rizível. Caso contrário, a pessoa jaz na completa inexistência. E a indiferença é a pior das mortes.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

momento

O caminho me questiona
a expressão vazia
os olhos perdidos
na lembrança do que
tem que ficar.
Sentimento de ausência
invade tudo o que é vivo
em mim
Só o que me move
é a esperança de te ter
junto de mim
de novo
em breve.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Primeiro

Ele sentou do lado dela
e resolveu brincar
de fazê-la sorrir.
Recusar foi impossível.
Olhares tímidos
que já guardavam em si
toda a intensidade
do eterno.
Mão sobre outra
como que sem querer.
Coisas essas que se vê
sob o luar,
em meio a chuva.
Construções da noite
sonhadas no dia
realizadas pra sempre.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Desejo

Senta aqui comigo outra vez
preciso que me diga hoje
tudo de novo
o que é mesmo que você sente
ao se ver perto de mim.

Olha nos meus olhos mais uma vez
e me permita entrar aí no seu mundinho
deixa eu conhecer um pouco mais de você
pra saber que realmente tudo é real
pra te sentir mais perto.

Me dê sua mão
pra eu saber que ela ainda fica nervosa
perto de mim
pra saber que não há distância
que quase não há limites.

Hoje eu preciso saber
tudo de novo
não porque desacredite
ou porque me esqueça
mas porque te quero um pouco mais perto
outra vez.

A tal da insegurança

"No one has to know what you are feeling
Oh, baby, no one but you and me"

Não sei bem de onde me vem essa insegurança, que insiste na ideia de que, talvez, ele não confie tanto em mim. Pode ser ciúmes. Ou, provavelmente, o simples fato de ser eu quem não está bem hoje. Sei que devo calar esse tipo de voz perturbadora aqui dentro. Uma vez que confiança é conquistada, depende de mim. A questão é que ele me completa, de uma forma única e eterna. A questão é que não sei mais pensar minha vida sem ele.Se eu for, racionalmente, parar pra pensar, não há necessidade de qualquer preocupação. Seus olhos dizem a mesma coisa que os meus. Mas é que hoje, especialmente hoje, ela num quer ficar quieta.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Pra você

Talvez não lhe desperte interesse
Assim, essa entrega
mas é tão inevitável
quanto não te perceber em mim
Seja como for
não importa qual seja o fim do caminho
esse nosso
É certo que te carreguarei pra sempre.
[talvez nem tão pra sempre assim]

______

{Poema antigo que achei aqui (de uns 4 mêses atrás), na ocasião não publiquei, mas agora me deu vontade.. porque até que ficou bom, só precisou de uns ajusteszinhos}

Telegrama

Vai, vento, vai
e leva pra ele
esse sorriso que ele num viu
mas que é dele
sorriso que dei
só de pensar nele

Vai, vento, vai
e fala pra ele
que eu estou longe
mas sinto falta dele
que apesar de estar aqui
meu coração está com ele

Vai, vento, leva
toda essa saudade embora
que só o que me resta
agora
é esperar o dia chegar

...e brincar de estar junto outra vez

domingo, 5 de setembro de 2010

Alumbramento

Momento suspenso
esse
quando a distância entre nós
se ausenta
Te sentir perto
me faz esquecer
qualquer sentido para efêmero

Como pode
assim
enlouquecer meus ponteiros
Me tirar a razão
Me deixar assim
sem argumentos pro resguardo
pro receio
ou qualquer coisa que me mantivesse aquém desse sentimento

Entrega inevitável
frente a seus olhos
que me contaram seu segredo

E a vontade de pra sempre
que se realiza sempre que estamos de mãos dadas
Vira saudade sempre que não está aqui
Só o que consola é saber que
levo seu coração comigo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

I

Agarrou-se ainda uma última vez à coberta. Aquele período do ano já era frio pela manhã. Pensou duas vezes antes de decidir se ia mesmo à faculdade. Aula chata e desnecessária. Poderia ser reposta com a leitura do texto. Além do mais, não teria problemas com falta com aquele professor. Levantou. Como poderia começar um dia com um não? Ou melhor, com uma desistência? Bem da verdade é que já estava atrasada. Saiu sem o café, que tomaria na faculdade mesmo.
Tentava esquecer, mas era difícil. Por que esquecer é sempre tão difícil? Não digo essa dor, que nos faz lembrar a cada nova fisgada, mas a causa em si. Esperar. Não sei esperar. Realmente nunca esperara de fato na vida. Sempre esperou o que não tinha outro jeito e sempre estava de alguma forma em ação. Mas dessa forma, como Deus queria, tão difícil. Quase deixou a lágrima cair não fosse a proximidade do ponto que havia de descer.
Uma hora e quarenta de puro tédio. Isso que é um não de verdade a qualquer proposta de dia. Não sabia como certos professores conseguiam chegar tão longe. O melhor mesmo de dias como esses era o corredor. Sempre encontrava alguém querido, com quem conversava longos ou curtos minutos, mas que enchiam seu dia de um novo ânimo, seu coração de nova esperança.
Nesse dia especificamente encontrou um amigo que não via há muito tempo - porque a faculdade tem essa capacidade de separar duas pessoas de um mesmo curso num mesmo prédio por mêses - o coração lhe fez lembrar da saudade e de como aquele abraço lhe fazia falta. Não trocaram mais do que dez palavras. A aula já tinha começado, vida corrida. Mas teve sua vida reenchida daquele carinho, e a memória daquele abraço tão necessário naquele dia.
Engraçado como ele se afastou. Assim, do nada. E Deus faz esperar, assim, esperar apenas. E, quando o coração está prestes a desabar, Ele manda alguém pra dizer com um gesto pra você persistir.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Abre outra vez os olhos.
Vê!
Olha que é pouco tempo que ainda lhe resta.
Medo de quê?
Não percebe que é assim
que deveria ser?
Não percebe que tudo que digo
é pra você?
Vamos olha,
custa o quê?
O preço já foi pago
não há mais porquê.
Mas decida logo
porque se é dificil pra você
imagine para mim...

sábado, 29 de maio de 2010

Mera esquina

A esquina guarda sempre mistérios
extraordinários
Vantagem de quem não se intimida
pelo desconhecido
Foi dobrando uma delas
dessas que Deus (ou a vida, se preferir)
coloca sempre à nossa frente
que descobri o meu mais novo amigo.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Eclesiastes 3

Calada, esforço-me para sufocar todo e qualquer intento da carne
Tão difícil não perguntar o que vem depois.
Espero. Sim, te espero.
Há sempre a passagem
e ela nunca é assim, num pulo.
Queria que fosse,
mas não é.
Necessário esse momento
a transição é sempre tempo de auto-análise,
sempre tão vital ao crescimento.
Afinal, havemos de caminhar, não?
Que seja pra frente, então.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Vontade de escrever me consome
até o último dos meus pensamentos
o que restou das minhas ideias.
Inerte, desespero

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A outra face

Hoje, olhando pro espelho, decidi não precisar de mais ninguém.
Decidi que todas as coisas em minha vida dependem de mim.
E antes de mim dependem de Deus.
Decidi que não vou recorrer a mais ninguém.
Decidi que não vou culpar mais ninguém.
E isso não é deixar de viver intensamente;
é simplesmente viver... buscando menos frustações, decepções e angústias.
Porque uma vez que eu passe a depender apenas de mim,
tudo fica ao meu alcance e eu sei de novo exatamente o que está acontecendo.
E depender, antes e acima de mim, de Deus,
é ter a certeza de que tudo sempre vai se ajeitar.
Decidi assim encarar todas as coisas
sem conjecturas, expectativas ou juízos.
São todos sentimentos que estrangulam a alma.
Decidi. É o que cabia a mim.
Agora conto com a ajuda dEle
pra me lembrar sempre de tudo isso.

domingo, 16 de maio de 2010

Have I hit the bottom?

Todas as minhas forças reunidas no esforço de me sustentar de pé. A cabeça pende. os braços tremem sob a superfície. As pernas dormem. É difícil respirar. É difícil resistir ao choro. Já estou tão cansada. Mas eu preciso, eu preciso não cair, eu preciso aguentar. Dói. Mas eu preciso. Eu tenho que conseguir. Já não tenho mais forças. Movimento de resistência invadido. Os olhos se fecham. Exausta.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Beira de túnel

e ele tinha olhos claros
- mar azul invadido
por negras nuvens -
tempestade o acompanha por anos
e o conduz
todos os dias
para mais perto do esquecimento
...que é a pior morte.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Embaixo do pátio do colégio

Enquanto monumento
ele dorme
no silêncio da esquina
do lugar mais movimentado
da cidade grande
Cala toda a sua nobreza
encolhido
e dorme
para não ter que sorrir.

sábado, 1 de maio de 2010

Tarde de sábado

Hoje me deu uma vontade de escrever. Arrancar do mais fundo da alma, aquelas palavras velhas e empoeiradas que por falta de tempo, ou medo, ou descaso, foram guardadas e, de tão guardadas, esquecidas. Sabe que hoje dei uma geral por aqui: arrumei toda a papelada e montoeira de livros e dvds e cds nos móveis. Fazer isso às vezes é bom. Com o tempo a gente guarda cada coisa, pro caso de precisar um dia. E nunca precisa. Aí vira um estorvo, um fardo, porque a gente sempre tem dó de jogar fora, mesmo num servindo pra nada. Mas é preciso. Muito me lembrei de uma música da nossa rica mpb que minha mãe vive cantando pra mim: "Hoje eu vou mudar, vasculhar minhas gavetas, jogar fora sentimentos e ressentimentos tolos, fazer limpeza no armário, retirar traças e teias e angústias da minha mente...". A única coisa é que toda a faxina foi no quarto da minha mãe. Sempre é a casa de alguém. E quando acho alguma coisa que por mais insignificante que seja, fico com dó da pobre coisinha, que num teve culpa de ter sido guardada inutilmente por tanto tempo. Guardo pra mim.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sexta à noite

Verdade é que aquele dia o forró estava bom. Gertrudes estava até cansada de tanto arrasta pé. Pensou ser melhor dar uma encostadinha no bar, tomar alguma coisa pra esquecer a canseira. Joilson tava lá só observando, não sabia dançar, mas sabia que no forró que se encontrava mulher das boas mesmo. Mal Gertrudes encostou ele ficou todo animado.
- Oi
- Oi, princesa, tudo bem?
- Tudo. E você?
- Melhor agora, que a sua presença ilumina mais a vista
- Ah pára de falar besteira homi... faz o que da vida?
- Sou pedreiro, e você?
- Sou empregada... na verdade minha patroa prefere que eu diga auxiliar doméstica, mas é a mesma coisa.
Mal o sorriso terminou ela resolveu ensinar ele a dançar, homi que nem ele num podia ficar só olhando, não. Ele ficou sem jeito, ia perder a moral, parecer frouxo. Pé pra lá, pé pra cá... bom mesmo era sentir ela, assim, todinha.
- iih, discupa.. sou desajeitado memo! Machuquei seu pé?
- Não se preocupa não.
E voltou a cair na dança. Enfeitiçando nos olhos. Quer coisa melhor na vida?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Teoria dos determinantes

João nenhum,
um dia,
levantou cedo
escovou os dentes poucos
enfiou alguma roupa
andou as horas muitas
trabalhou os dias todos
mas nunca virou João Alguém.

domingo, 11 de abril de 2010

Memória

Quero um amor pra recordar
cada momento do dia
que se encher de ausência

Quero um amor pra recordar
minutos antes de fechar os olhos
no instante em que sonho e realidade
brincam de roda

Quero um amor pra recordar
cada vez que me sentir com medo
ou ameaçada
situações essas
de desproteção

Quero um amor pra recordar
até o instante de reencontrar
e lembrar então que é pra sempre.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Resignação

O Espírito me cobra
todas as palavras que calei.
Que tinha ela
pra marcar tão profundamente
a minha alma?
Meu receio me manteve inerte
frente ao seu poema
frente aos seus sonhos duros
e não há mais o que fazer
frente à sua não presença.
Poemas inúteis.
Palavras inúteis
essas que a gente guarda
no silêncio de um novo verso.

silêncio

Sua ausência me culpa.
Sinto o peso da obrigação,
a de, pelo menos,
tentar fazer alguma coisa -
qualquer coisa..
Será a palavra
o suficiente?
O preço do feijão
não cabe no poema.
Bastaria, sinceramente, o amor?
Seria alguma coisa
(ao menos)
qualquer coisa.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Momento

E nessa atmosfera
que poucos entendem
e eu
apenas eu
presencio contigo
ajoelho outra vez
completamente desnudada
de alma e espírito
me entrego
sem medo, receio,
a essa Presença irresistível
e outra vez Sua mão em meu rosto
não há mais porque chorar
me aconchego
suspiro
sempre por perto
e com tudo preparado
me espera
sou mesmo criança
tola, teimosa, ingênua
mas Tu, meu Pai,
conhece o profundo de mim.
Obrigada.

sábado, 27 de março de 2010

Alice

Alice tinha mesmo o queixo para dentro. O que conferia a seus grandes olhos um ar inquiridor constante. Sentada rotineiramente no ônibus, inquiria sobre tudo que lhe passava à janela, sobre todos os que estavam em pé no corredor. Inquiria sempre, constantemente, sobre o sinal que insistia em fechar quando estava atrasada. Inquiria a hora, já tarde da noite, quando parece sempre levar uma eternidade pra chegar em casa.
Mas semana passada foi diferente. Seu chefe apareceu de última hora e ordenou que ficasse mais tempo, tinha que terminar o relatório. Ela aceitou de cabeça baixa, não tinha coragem de inquirir descasadamente. Passadas umas duas horas após o expediente, inquiriu, numa completa digressão, sua mão inaliançada. Talvez fosse seu queixo pra dentro que fazia sua testa parecer bem maior. O chefe apareceu de repente. Disfarçou. Já tinha quase terminado. O chefe mandou que não se preocupasse, tarefa bem difícil de obedecer. Se aproximou de forma estranha, Alice pode pela primeira vez inquirir os botões acima do umbigo sempre amostra na barriga gorda. Se aproximou tanto que não sabia o que inquirir. Ele queria lhe dar um aumento e, quem sabe, uma vida boa. Ao sentir que era agora o chefe quem lhe inquiria as partes, Alice saiu correndo mais depressa que o coelho atrasado, quase esqueceu a bolsa! E foi a primeira vez que pode andar por aquela rua, que não era nenhuma maravilha.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Que seja eterno

"Os atos precisam de tempo,
depois de serem realizados,
para serem vistos e ouvidos" 
(Nitzche)

   Sei bem que melhor seria manter esse acontecimento em segredo. Mas a verdade é que em silêncio ele nunca esteve. Deixo apenas a seu encargo tirar as conclusões que quiser. Um ato como este está mais seguro quando visto de fora. Peço apenas, se me é permitido, que atente aos detalhes sutis. São eles que me livram da culpa.
   A bela primavera de nosso tempo me conferira aquele tom rosado às maçãs, cuja aparência se torna diferente quando se deixa a infância. Encontrávamo-nos todos os dias, mas, não sei se por posição ou vaidade, demorei a distingui-lo dentre todos os outros mais.Vale observar que sua fisionomia guardava a beleza para os observadores minuciosos, coisa com que eu, à flor da idade, não perderia meu tempo. Ele só se sobressaiu em meio há tantos, certo dia, porque estava completamente bêbado em praça pública, ele e um amigo, vindo acabar caído aos meus pés, após um dos muitos desequilíbrios, bem sucedido por causa de uma pedra. Parece-me que um breve momento de consciência lhe passou nos olhos, talvez por vergonha ou trauma. Mas foi um breve momento. Virou-se de costas como quem se esbalda na própria lama e começou a gargalhar, muito provavelmente da minha cara de desprezo e horror, que se voltou para o outro lado, completamente ofendida.
   Ultrajada, voltei à praça no dia seguinte, como quem quisesse rir do estado lamentável em que ele se encontraria. Estava sóbrio, entretanto, e me olhou com um pouco mais de embaraço que no episódio anterior. Todas as vezes que lá voltava, procurava-o discretamente, ainda que aguardando o mais breve espaço para que a minha vingança se esgueirasse e tomasse lugar.
   Imagine a minha perplexidade quando o descobri meu novo professor de piano. Olhou-me como quem olha a qualquer pessoa. Quando meu pai nos foi apresentar, agiu como se fosse a primeira vez que me via e como se isso fosse algo absolutamente corriqueiro, necessário e não significativo. Foram três meses de absoluto tédio. Não trocávamos uma palavra: ele me dava as ordens, eu as obedecia; ele me passava exercícios, eu os executava; e quando insistia em me cumprimentar ao sair ou ao chegar, acenava com a cabeça sem levantar os olhos. Foi então que ele disse ao meu pai que não poderia mais me dar aulas.
   Não pôde conter o espanto ao me ver em pé à sua porta, quando atendeu à campainha. Disse que estava de saída e não poderia me atender como mandava a etiqueta. Quando lhe disse que só estava ali para inquirir acerca do motivo que o levou a abandonar as minhas aulas, olhou-me nos olhos. É necessário uma pausa aqui: certos detalhes precisam ser apontados, são sutis demais. Nunca antes havia me olhado nos olhos, tão nos olhos, como quem busca. Senti, sinceramente, seu olhar penetrar minhas entranhas e retornar ao mundo completamente satisfeito por ter alcançado e trazido um pouco do meu íntimo para fora. Então suas mãos destruíram-me esse pouco, com o deboche do riso que lhe seguiu.
   Foram longas três semanas sem qualquer notícia ou encontro. Até que o vi passar, na estréia da nova peça - acompanhado. A pobre mulher bem se esforçava para parecer bela e digna do lugar. Não tivera, como eu, entretanto, a graça do encanto e da finura. Fiz de tudo para que ele me notasse. Completamente desatento! Ao fim da noite estava determinada a lhe mostrar quem eu era e como conseguia tudo o que queria.
   Na semana seguinte, já conhecendo o horário que retornaria a sua casa, aguardei-o, estrategicamente escondida, eu e uma cúmplice - para que a situação fosse mais real e garantida. Quando ele se aproximava, também nos aproximamos, sem o olhar. Um passo a mais para o lado, no momento certo, foi o suficiente para que ele esbarrasse em mim e eu pudesse lhe cair aos pés, sujando meu vestido e machucando minha mão e meu joelho. Minha cúmplice fez o drama. A mim, bastou, ao me levantar, inclinar-me para frente com um profundo suspiro, conhecendo a beleza do meu colo, e levantar-lhe os olhos carregados de lágrimas e sustentados por um pedido sugerido de piedade. Embaraçado mais pela visão que lhe proporcionei, que pelas acusações em alto tom que minha amiga lhe fazia, convidou-nos a entrar, para que cuidasse dos ferimentos. Ao me sentar na sala, após ele buscar alguns medicamentos, e minha amiga sair, dizendo que me traria roupas limpas, comecei a cuidar do meu joelho. Inclinei-me para frente e comecei a vasculhar o resto da perna, como que procurando outros ferimentos. Quando percebi que estava olhando, levantei-me e perguntei se seria muito abuso pedir para tomar um banho, argumentei que estava ainda suja, e isso infeccionaria os ferimentos. Àquela altura não me negaria. E não negou. Mostrou-me onde ficava o banheiro e disse que me traria uma toalha limpa. Apressei-me em me despir, para que, quando voltasse, pudesse me esconder atrás da porta, suficientemente para que ele não visse nada, suficientemente para que ele imaginasse tudo.
   Ao deixar sua casa, certifiquei-me que esqueceria algum pertence meu lá. Dito e feito: dia seguinte estava ele me aguardando na sala. Ofereci-lhe algo para beber e, após insistir, aceitou o café. Bastou que me aproximasse do piano para me perguntar se tinha continuado o estudo. Após saber que ainda tinha interesse, apesar de estar meio afastada, ofereceu-se para voltar a me dar aulas. Não pude aceitar na hora, tive que dar a desculpa de ter que falar com o meu pai, ver se estava disposto. Mas vi, nos olhos dele eu vi, a vontade de estar ali quebrada pela decepção do talvez. Não queria cantar vitória antes do tempo, até porque aquilo ainda não era nem um décimo do que queria, mas isso me garantia que meu plano estava funcionando.
   Ao final de nossa quarta aula, forjei um mal estar, fingindo quase desmaiar, de forma que ele teve que me segurar para que não caísse. O toque, ah o toque! A liquidação de qualquer espaço e barreira entre sujeito e objeto. Era preciso que ele me sentisse em seus braços, e que meu perfume lhes chegasse às narinas, e às entranhas, como me fizera um dia. Aleguei não ter comido o dia inteiro. E disse que poderia ir, assim que me trouxeram o que comer. Foi necessário um olhar inquiridor, quase rude, para que ele voltasse a si e deixasse minha casa. Desejava-me.
   As aulas que se sucederam foram banhadas de olhares e aproximações incomuns. Confesso minha frustração cada vez que a aula terminava sem lhe ter tocado os lábios. Mas a paciência era a ferramenta que me garantiria pleno sucesso. Quando percebi que o dia em que conheceria sua boca se aproximava, fiz com que fosse necessária uma aula em um horário em que teríamos mais liberdade. Estávamos sozinhos.
   Todas as recordações mais próximas do meu peito são as daquele dia. É como se ainda pudesse tocá-lo. Ainda sinto suas mãos tímidas e incrédulas de que lhes era permitido caminhar por toda aquela vastidão de lugares ocultos, completamente desnudados e entregues. Seus olhos agora não mais buscavam, antes se entregavam no clímax da sinfonia que me ensinava e tocava pela primeira vez. Não havia mais retorno. Tinha-me, tinha-no.
   Tente vislumbrar minha tristeza e desespero quando meu pai lhe disse não e o humilhou no dia em que foi pedir a permissão para me namorar. Exigiu que se afastasse de mim, senão entregaria-o à polícia, pois bem se sabia nossa diferença de idade. Tudo que pude fazer foi esbravejar e bater a porta do quarto, não tinha qualquer autonomia, nem garantia legal, para fazer minha própria vida. Disse, inocentemente, através de minha cúmplice, para que fugíssemos. Qualquer lugar. Eu abandonaria tudo. Ele não. Não podia, não queria abandonar tudo. Parecia sofrer, mas provavelmente tinha em quem se consolar.
   Não acreditei quando minha amiga disse ter o visto entrar em casa com uma mulher e que havia rumores de que ela seria sua noiva. Rumores. Porque, pelo visto, ela seria noiva de muitos, depois se descobriu. Quando o vi de novo, após longo tempo, descobri porque me sentia tão perdida e vazia: ainda me tinha, e guardava. Tentei encontrar onde, mas desviava-se de mim. Precisava me ter de volta. Precisava o ter de volta.
   Chegou-se então a noite em que subornei a mulher que lhe limpava a casa e o aguardei, em seu quarto, retornar. Quando me viu ali, sentada, resignada, lançou-se aos meus braços, como quem agarra a última esperança de felicidade. Havia quase me esquecido como era ter seus lábios. A sinfonia. Tão bela quanto antes. Mais trágica, no entanto. Quando permiti que o brilho lhe chegasse ao peito, urrou - havia alcançado seu coração. Podia senti-lo, ali, em minha mão. Lentamente o trouxe para fora dele, de mim. O olhar perdido se encontrou na minha mão: estava ali, se sacudindo intermitentemente. Então se calou, pela última vez.
   Não lhe posso ser mais clara, para não o escandalizar, mas a verdade é que lhe arranquei o coração. Você não entende? Era preciso que o infinito não acabasse. Não acabasse. Quando o guardei, ainda pulsava. E ainda pulsa enquanto eu viver.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Necessidade de estar
anseio por chegar
vontade de ficar
sentimentos tão perturbadores
nesses novos ares

(tentativa 1 - nd satisfatória)

Foi dia desses
que a melancolia brincou nos olhos dele
outra vez

Convidativa e presente
Seduziu-me de tal forma
e eu não queria dançar

Agora não sai daqui de dentro
nem mesmo nesse poema inútil.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Certa noite

Já faz um tempo que quero lhe escrever um sonho
E ele começa com nossas mãos dadas
e o sol nascendo
A praia e nada mais

Ele começa com aquilo que a gente sente
e não sabe explicar
a vontade de não acordar mais
e eu e você

Ele começa com a gente sonhando juntos
brincando nos olhos um do outro
escrevendo a mesma história

Ele termina assim
em suspenso
no silêncio

quinta-feira, 4 de março de 2010

Será possível?
Assim tão forte?
Assim tão presente?
Assim de repente?
Num instante apenas?

Como é possível?
essa semente...

Conheço bem.

(repostado)
Seu silêncio me consome
Todas as manifestações internas
se dissolvem frente às dúvidas.

Por que havemos sempre de conjecturar?

Faz-se necessário o verbo
para que não haja outra morte.

terça-feira, 2 de março de 2010

E nos olhos dela
o vento brinca
de construir artifícios vagos

a realidade perpassa
a transparência agravada

E a noite fria termina
com a pedra dura
um pedaço de papelão
e a coberta pouca

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Poema que se pretende lágrima

Esqueci-me em algum lugar
e já não consigo lembrar onde
ou quando.
Simplesmente não me encontro mais.
Não me sei mais.

Ainda escuto o violino
ainda sei da borboleta
mas algo me falta

Ainda de olhos vendados
ainda na espera
mas nem um sussurro

Pobre alma inquieta.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Calçada

Coberta de sacos
ela escreve
palavras desconexas
assuntos que só ela entende,
e Deus.
Sim, Deus.
Ela não faz a menor ideia
de quem Ele seja
mas Ele a conhece bem.
Passa os dias ali,
no mesmo endereço.
Ora sonhando com o futuro,
ora lembrando o passado.
E quando não há mais o que fazer
escreve.
Como quem precisa escapar.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Necessidade de escrever.
O quê?
Toda a mente voltada em descobrir
a menor que seja das motivações
Abismo.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Fecharei meus olhos
na total entrega
de alma e espírito
Evitarei passos
os pés sempre levam por caminhos difíceis
especialmente com os olhos vendados

Ouvidos atentos
ao menor dos murmuros

Silêncio.
Aguardo.

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Toda aquela coisa de garfos tilintando. E risadas. E goles enormes. E pratos. E facas roçando no fundo do prato. Bocas mastigando. Estavam na verdade deixando-a enjoada. Estômago queima. Olhos lacrimejam. O banheiro mais próximo ficava perto da escada, mas teria que atravessar toda a sala. Isso seria tão...deselegante. Quando ela saiu correndo ninguém entendeu nada. Mas, talvez o vinho lhes tivesse ajudado a achar coisas mais interessantes a fazer. Só o namorado foi correndo atrás ver o que tinha acontecido. Bem é verdade que esse correndo estava já debilitado. Quando conseguiu chegar já a encontrou lavando o rosto. Vermelha.
- Eu acho que o vinho italiano não te fez bem.
- É pode ser.
- Acostumada com aqueles vinhos de garrafa plástica...
Rápido acesso ao vaso sanitário. O cheiro dele estava tão forte. Não tinha bebido. Não queria correr o risco de dar vexame em seu primeiro jantar com a família Seixas. Sempre foi tão fraca. Novamente na pia. O barulho da água correndo dava uma espécie estranha de alívio. Lá fora todos tão alegres. Nem notaram que ainda estava ali. O namorado desistiu de conversar. Estava mais interessado em voltar pra mesa e terminar de comer. E beber.
Passou o resto da noite na companhia do cachorro, na varanda. Só a intenção de se levantar e voltar à sala lhe causava náuseas. Preferiu ficar. A noite não era bonita. Sem lua e chuvosa. O cachorro não era seu amigo, cada vez que notava que ela estava olhando-o, tinha um leve sobressalto e rosnava como quem tem preguiça.
-Deve ter sido o camarão.
E continuava com o mesmo olhar parado.